Se não tivesse sido publicado pela entidade em causa, seria apenas mais um dos muitos estudos que apontam para uma relação directa entre a exposição ou consumo de pesticidas e o aparecimento de doenças crónicas cada vez mais graves e inexplicáveis. Falamos, concretamente, do alerta lançado recentemente por um instituto que integra a Organização Mundial de Saúde, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Cancro, relativamente à natureza cancerígena do glifosato, o ingrediente ativo do herbicida mais vendido em todo o mundo – o Roundup. No seu relatório, publicado no final de Março de 2015, a Agência considera existirem “provas convincentes” de que o glifosato pode causar alterações na estrutura do DNA e das estruturas cromossômicas humanas, sendo um agente potenciador de cancro. O glifosato é um termo desconhecido para a maior parte dos consumidores, pelo que a reação normal a uma notícia destas, para quem não está ligado à agricultura, é a de despreocupação. “O que é que isso tem a ver comigo”? Acontece que o glifosato é a substância activa mais comercializada dos herbicidas em Portugal, representando cerca de 64% do total, segundo dados da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária. Na Madeira, os dados não são conhecidos, mas os indícios são assustadores! E de uma pesquisa muito rápida na net, é fácil perceber a amplitude da sua utilização: “o herbicida é um produto químico utilizado para o controlo de ervas daninhas (…) A vantagem da sua utilização é a rapidez de ação, custo reduzido, efeito residual e não revolvimento do solo. Os problemas decorrentes da sua utilização são a contaminação ambiental e o surgimento de ervas resistentes” (in Wikipedia). Ou seja, os herbicidas são o chamado “remédio para as ervas” e que tanto são usados na agricultura, como em hortas, jardins, parques, bermas de estrada… Mesmo que não tenhamos ideia do que é o glifosato nem de onde se esconde, estamos muito provavelmente expostos a ele nos produtos de agricultura convencional que consumimos, na água, no ar que respiramos … Mais preocupante ainda, é o facto de o glifosato, através do Roundup, ser intensamente utilizado no cultivo de produtos transgénicos, nomeadamente na produção de soja e milho transgénico. Estes produtos são geneticamente modificados para se tornarem resistentes às pragas e são imunes ao Roundup, que mata todas as ervas à sua volta sem os destruir. Ora em vários dos países que autorizaram a produção de transgénicos de forma massificada têm surgido cada vez mais problemas de saúde, não só dos agricultores e populações nas proximidades dos campos cultivados, como das próprias plantas, já que aparecem agora espécies de pragas que já se tornaram, elas próprias, resistentes ao glifosato. Na Argentina, o maior exportador de óleo de soja, segundo maior exportador de milho, terceiro de soja e sétimo de trigo, cada vez mais são relatados casos de malformações genéticas, doenças oncológicas e degenerativas em crianças residentes em áreas próximas às de cultivo. Um relatório publicado em Outubro de 2014 pelo Grupo de Genética e Mutagênese Ambiental da Universidade Nacional de Rio Cuarto confirma, ao fim de 8 anos de pesquisas e 15 publicações científicas, “a clara vinculação do glifosato com mutações genéticas que podem se transformar em cancro, gerar abortos espontâneos e nascimentos com malformações”. Por cá, o consumidor continua a desconhecer que a maior percentagem de soja e milho produzidos atualmente (em moldes convencionais) são de produção transgénica, logo, tratados com glifosato, e que estes entram na nossa cadeia alimentar das mais variadas formas: ração para animais (sobretudo aves e suínos), farinhas usadas como matéria-prima para pães, bolos, bolachas, óleos transformados em subprodutos como margarinas, maioneses, rebuçados, xaropes, bebidas… O expectável seria Portugal seguir o exemplo de outros países, que proibiram totalmente o uso de glifosato, ou obrigaram à identificação no rótulo dos produtos fabricados a partir de ingredientes transgénicos, ou recomendar aos agricultores a adopção de práticas de agricultura biológica, que proíbe o recurso a pesticidas de síntese e os produtos transgénicos. Nada disso: o Ministério da Agricultura emitiu já uma resposta sobre o comunicado da OMS, referindo que tais conclusões poderão ser “precipitadas” e que aguardará a publicação oficial das conclusões da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar, que por sua vez está a analisar um relatório publicado pelas Autoridades alemães, para emitir um parecer em consonância. E a CAP – Confederação dos Agricultores Portugueses, que sublinha “que o glifosato é utilizado em praticamente todas as culturas para eliminar infestantes”, recomenda o uso de herbicidas alternativos em vez de recomendar alternativas aos herbicidas. Não são precisos muitos estudos científicos para reconhecermos o aumento de doenças oncológicas, degenerativas, auto-imunes, em idades cada vez mais precoces. O veneno está na nossa porta, mas as doenças, essas, já estão dentro das nossas casas! OrganicA - Associação de Promoção de Agricultura Biológica da Madeira
Artigo publicado no Jornal da Madeira a 13.04.2015
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