A conservação da natureza é o conceito que está na base da política de criação dos parques naturais e que, de acordo com a Diretiva 92/43/CEE do Conselho de 21 de Maio, consiste num conjunto de medidas que buscam a utilização racional dos recursos naturais, ou seja, a proteção desses recursos numa perspetiva de sustentabilidade, que permite o seu uso mas garante a sua renovação. Atualmente, o estabelecimento de zonas protegidas é, em todo o mundo, a forma mais comum de conservação, in situ, da biodiversidade, mas, frequentemente com regras que restringem o acesso da população a recursos importantes, com um impacto negativo sobre o seu bem-estar social e económico que conduz inevitavelmente a um sentimento de injustiça, sobretudo quando os terrenos são sua propriedade, que acabam por dificultar o objetivo inicial traçado, por falta de apoio da população afetada. O Decreto Regional nº 14/82/M que, em Outubro de 1982, criou o Parque Natural da Madeira refere claramente que “a instalação do Parque só é possível com o ordenamento silvo-pastoril que condicione o pastoreio a zonas bem determinadas e que pressione o rebanhamento dos gados”, apesar de assumir a importância de “promoção económica, social e cultural das populações, abrangidas na sua área, com participação ativa das mesmas, de maneira que o Parque Natural, seja uma forma orgânica de desenvolvimento, com respeito pelas bases biofísicas e ecológicas do ambiente e pelas tradições culturais das populações.” Enquanto o conceito de preservação da natureza aponta para o homem como o causador de todo e qualquer desequilíbrio, e a sucessão biológica, definida como uma série de mudanças que um sistema ecológico vai sofrendo, de forma espontânea, ao longo do tempo, implica necessariamente a ausência de intervenções humanas ou flutuações que interrompam o processo, numa aspiração clara de regresso à natureza selvagem, a conservação, objetivo das zonas protegidas, defende o uso racional dos recursos e o maneio correto do meio ambiente pelo homem, assumindo-o e aceitando-o como parte integrante do processo. Reforçando, a conservação da natureza centra-se na manutenção do bom estado do ambiente natural, incluindo a fauna, a flora, os recursos minerais, a paisagem, os habitats e a biodiversidade, sem contudo excluir o uso humano de todos os ecossistemas. Infelizmente, a perspetiva da conservação da natureza, na Madeira adotou uma postura demasiado sucessionista (isto se não considerarmos a aplicação de herbicidas, o desmate e queima de biomassa) tentando erradicar algumas atividades humanas e esquecendo por completo que a utilização dos recursos naturais são fundamentais para a fixação e sobrevivência das populações rurais, esquecendo também que é possível conciliar exploração e conservação e negligenciando a importância de manutenção de determinadas atividades agrárias e florestais para a sustentabilidade da nossa Região. Fig. 1 – A atividade pecuária é fundamental na fixação das populações rurais, no desenvolvimento económico das regiões com a criação de emprego, na sustentabilidade dos sistemas agrícolas e na regeneração dos ecossistemas. É óbvio que os pastores nunca pensaram na conservação da natureza como um objetivo ou um fim em si mesmo. Quantos de nós o faz, diariamente, na sua vida profissional? Mas eles, mais do que ninguém, sempre tiveram todo o interesse em assegurar a continuidade e preservação dos recursos e condições das quais dependiam para desenvolver a sua atividade produtiva e a sua própria sobrevivência. É o princípio que está na base da criação dos animais para a obtenção do estrume e também da transumância, com a movimentação dos animais de modo a permitir a regeneração das pastagens e a alimentação dos rebanhos sem necessidade de aquisição de fatores externos. É a sustentabilidade, que agora tanto se fala, mas que eles sim, praticavam. Também é certo que a pressão demográfica da sociedade rural, nomeadamente através do pastoreio, conduziu à destruição de importantes biótopos, mas os principais motivos, que levaram à intensificação da atividade, com o agravamento dos impactos no ambiente foram impostos por princípios capitalistas e industriais, com a aposta na produção animal intensiva, sem qualidade, mas barata, sem respeito pela natureza, mas acessível, retirando aos pastores qualquer possibilidade de competirem e sobreviverem num mercado onde quase todos falam em sustentabilidade mas quase ninguém a cumpre, obrigando-os a aumentarem os encabeçamentos, a apostarem em raças mais produtivas e também mais exigentes (veja-se a mais recente orientação oficial, com a aposta na raça Limousine), a gastarem menos energia nas deslocações, a suplementarem com rações, a preocuparem-se menos com os recursos naturais e finalmente a tornarem o seu produto igual a todos os outros, perdendo valor e rentabilidade, criando “só para casa” ou para patuscadas como acusam os que não querem pagar o justo valor pelos produtos de qualidade, que respeitam o ritmo da natureza! Fig. 2 – Embora se afirme que o pouco pastoreio que existe atualmente na Madeira é controlado, a verdade é que embora regulado pelo Decreto Legislativo Regional nº 35/2008/M e autorizado pelo IFCN, este tipo de pastoreio livre, não traz benefícios, uma vez que se os animais permanecerem por longos períodos no mesmo espaço, dão preferência à ingestão dos rebentos novos, não permitindo que a pastagem recupere do corte, provocando a sua degradação. Habituados aos invernos rigorosos da serra e às árduas tarefas agrícolas, os pastores encontravam-se perfeitamente acomodados às privações que este tipo de clima e trabalho os obrigou a ter na vida, traduzida, com certeza, numa pegada ecológica mais baixa (houvesse o termo na altura) que muitos outros que lhes apontam o dedo! Mas, naturalmente empurrados pelas imposições legais, pelas proibições (talvez seja preciso lembrar que agora só não existem pastores a tempo inteiro na Madeira porque aqui a atividade é considerada ilegal), pela necessidade de sobrevivência, pela dureza do ofício e pela procura de melhores condições de vida entregaram-se a outras profissões, abandonando a pastorícia. Ainda assim, convém lembrar que grande parte dos espaços naturais protegidos conservou os seus valores ambientais graças ao uso racional dos seus recursos, feito pela população durante séculos. Um dos principais usos produtivos foi a pecuária extensiva, cujo abandono, devido à perda de rentabilidade ou pela intensificação, traduz-se em impactos negativos sobre a conservação destes espaços porque em determinados ecossistemas, conservar significa explorar, obviamente sem destruir, sem esgotar! Significa Intervir, pastar, desbastar, retirar, colher, aproveitar, transformar os recursos em receitas e sustento. Mais importante do que preservar, é conservar, reabilitando certos sistemas de integração e maneio, capazes de gerir e aproveitar os recursos locais disponíveis, sem os degradar. Segundo Campos e Carrera (2004) citados por Izquierdo (2008) a conservação não devia centrar-se em recuperar a integridade ecológica virgem, com uma tentativa de retrocesso de vários milhares de anos, sem saber exatamente quando parar, mas antes preservar a interação harmoniosa entre a natureza e cultura, através de praticas tradicionais de utilização das terras e da natureza, nomeadamente em determinadas zonas aptas para suportar a exploração continua, como são as pastagens, capazes de responder positivamente ao pastoreio sem deixarem de ser ao mesmo tempo belas paisagens, ricas em biodiversidade e infra-estruturas ecológicas, fundamentais para garantirem o sustento e a segurança das populações, nomeadamente contra a progressão dos incêndios e a retenção de água em altitude, prevenindo os aluviões. Fig. 3 – As autoridades são contra e proíbem o pastoreio, argumentando que os animais interrompem a sucessão natural e destroem o ambiente, mas admitem e aplicam herbicidas que matam as plantas, contaminam a água e o solo, provocam erosão e colocam em causa a saúde pública. Para evitar ressentimentos é importante alcançar um equilíbrio entre os interesses conservacionistas e os direitos de uso dos proprietários e residentes no território, permitindo o aproveitamento de acordo com os objetivos de ambas as partes, sabendo que, no caso do pastoreio, desde que bem orientado, em sistema de transumância, a atividade pode gerar desenvolvimento económico, ajudar no combate à pobreza nas zonas rurais e ao mesmo tempo prestar um serviço à Região com a conservação de ecossistemas, cuja manutenção e/ou reabilitação são de extrema importância para a sustentabilidade e segurança do território. Convém perceber de uma vez por todas, que ninguém vai limpar os terrenos de ânimo leve, se daí não tirar qualquer proveito, além da proteção do bem comum. Concluindo, relembramos que a origem dos espaços naturais protegidos, resultam da vontade de evitar o desaparecimento de lugares excecionais, destacados pela grandiosidade das suas paisagens ou pela riqueza ou singularidade da sua fauna ou flora, procurando não só conservar o ecossistema, como também promover o seu uso sustentável e racional, evitando a sua degradação e esgotamento, mas permitindo o desenvolvimento de determinadas atividades de que são exemplo a silvicultura, a agricultura, a pecuária, o turismo, entre outras, que têm em conta as exigências económicas, sociais e culturais, bem como as particularidades regionais e locais e que, neste sentido, para alcançar o objetivo de desenvolvimento sustentado no tempo, em determinados casos, importa estimular as atividades humanas, procurando entender que proibir ou expulsar o Homem, sem tentar integrá-lo nos sistemas naturais, aproveitando os seus conhecimentos em vez de ignorá-los é condenar a medida ao fracasso. O gado ou nós? Não, o gado por nós!! Fontes: Izquierdo, Jaime, LA CONSERVACION CULTURAL DE LA NATURALEZA. 2013, Oviedo, KRK EDICIONES, 80pp Izquierdo, Jaime, ASTURIAS, REGION AGROPOLITANA: LAS RELACIONES CAMPO-CIUDAD EN LA SOCIEDAD POSINDUSTRIAL. 2008, Oviedo, KRK EDICIONES, 240pp REVISION BIBLIOGRÁFICA: LA GANADERÍA ECOLÓGICA EN LA GESTIÓN DE LOS ESPACIOS NATURALES PROTEGIDOS: ANDALUCÍA COMO MODELO OrganicA – Associação de Promoção de Agricultura Biológica da Madeira
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Artigo de Sílvia Sousa Silva e José Carlos Marques, associados da OrganicA, publicado na Revista MAIS do Diário de Notícias da Madeira, a 6 de Setembro de 2015.
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AutorA OrganicA surge da vontade de partilhar a nossa experiência enquanto consumidores comuns: as preocupações que sentimos, as coisas que aprendemos, as descobertas que fazemos e as atitudes que tomamos em prol de uma alimentação mais saudável e de um mundo mais sustentável. Archives
Junho 2017
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