Os animais, sobretudo os ovinos e caprinos, têm sido, literalmente, o bode expiatório da falta de estratégia para o ordenamento do território e mais ainda para a inércia e impotência perante as ameaças que são os incêndios e as aluviões. Face a meia dúzia de pessoas, que apresentam soluções concretas para combater a raiz do problema, apontando nomeadamente para a reabilitação do pastoreio, os serviços do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) afirmam que o pastoreio controlado existe, é apoiado oficialmente e a prova disso é que, de acordo com a Secretária do Ambiente e dos Recursos Naturais, em entrevista à RTP Madeira, durante o ano de 2017, foram emitidas 17 licenças de apascentação. Mas o que são estas licenças de apascentação? A apascentação, ou melhor dizendo, a sua proibição, está regulamentada na Madeira pelo Decreto Legislativo Regional 35/2008/ M de 14 de agosto, que estabelece o regime de proteção dos recursos naturais e florestais e revoga o Decreto Legislativo Regional que regulamentava o regime silvo pastoril. De acordo com o documento, é proibida a livre apascentação das espécies asinina, bovina, caprina, equídea, ovina e suína e ainda de outras espécies que considerem que coloque em causa a conservação do solo, das águas e do coberto vegetal, nas áreas do domínio público ou privado da Região Autónoma da Madeira, ou de outra pessoa coletiva de direito público e terrenos baldios (ou seja em todo o lado), sendo os animais aí existentes considerados em estado selvagem e portanto, suscetíveis de serem abatidos sem dó nem piedade (apesar da Região clamar para si, o pioneirismo na proteção dos animais). Contudo, o IFCN pode emitir autorizações para os animais pastarem desde que, sejam apresentadas áreas com orografia adequada(!!!), boas condições de encabeçamento!!!! e coberto vegetal adequado!!! num conjunto de critérios subjetivos e impercetíveis, surpreendentemente aprovados e publicados em forma de lei, que atribui competências do sector agrícola e pecuário, a serviços e agentes direcionados apenas para a proteção dos recursos florestais e conservação da natureza. De fora da necessidade de pedir licenças de apascentação ficam apenas as explorações que mantêm os animais em estabulação permanente ou que praticam a apascentação à corda, numa clara promoção de modos de produção que condicionam o bem-estar animal. Note-se ainda que o requerimento para apascentação deve ser acompanhado de prova da titularidade da área abrangida para o pastoreio, o que elimina à partida a possibilidade de transumância e de todas as vantagens inerentes a um sistema de pastoreio em movimento que, ao mesmo tempo que providencia alimento suficiente para os animais, elimina povoamentos indesejáveis e permite que o coberto vegetal e o solo descansem, recuperem e regenerem. Na última “Feira do Gado”, em junho de 2017, o Secretário Regional da Agricultura e Pescas afirmou que os seus serviços licenciaram mais de 500 explorações pecuárias em apenas 1 ano. Ora, é na sequência do registo da exploração que os serviços da Direção Regional de Agricultura recomendam ao produtor, por ofício, a solicitação da licença de apascentação aos serviços florestais, sempre que os animais tenham ou venham a ter, acesso a áreas de ar livre mesmo que seja dentro do jardim ou da exploração, independentemente da sua localização. De fora da licença de apascentação ficam apenas as explorações que mantêm os animais em estabulação permanente (dentro do palheiro a vida toda) ou que praticam a apascentação à corda, ou seja, com animais sempre amarrados, numa clara promoção de modos de produção que condicionam o bem-estar animal. Contas feitas por alto, das 500 legalizações de explorações pecuárias pelos serviços da DRA, resultaram apenas 17 licenças de apascentação emitidas pelo IFCN para quintalinhos vedados, desde o mar até à serra, aliás, na serra não, porque os animais que por lá andam pertencem a associações de produtores com licenças antigas. O número reduzido de licenças ou significa que os serviços da DRA não estão a trabalhar bem e não conseguem incentivar o acesso dos animais ao ar livre ou que os produtores, apesar das recomendações, não chegam a pedir licenças porque não compreendem ou não concordam com a obrigação de ter de pedir uma autorização, aos florestais, para ter um animal solto dentro da sua exploração agrícola ou ainda que os técnicos dos serviços florestais não consideram estar reunidos os requisitos necessários para o pastoreio, talvez por acharem o chão demasiado inclinado, ou porque o produtor tem 2 animais, quando pelas suas contas devia ter 1,5. Os serviços do IFCN estimulam o pastoreio contínuo, em que o gado é deixado no esmo espaço, todos os dias, sobrepastoreando e selecionando a sua erva preferida, eliminando as plantas e destruindo o solo. Assim se resume o pastoreio controlado que atualmente existe na Madeira. Um "pastoreio contínuo", apesar de recomendarem a rotação em espaços reduzidos, em que o gado é deixado na mesma parcela, todos os dias, sobrepastoreando e selecionando a sua erva preferida, eliminando as plantas e destruindo o solo. Causando poluição por nitratos com o excesso de deposição de estrume e colocando em causa a saúde dos animais e das pessoas que os consomem, pelo maior risco de infestação por parasitas, porque o seu ciclo de vida nunca é interrompido e diminuindo a rentabilidade de uma atividade que podia ser lucrativa, uma vez que aumentam as rejeições das carcaças ou órgãos em matadouro e porque obriga à aquisição e distribuição de rações a animais que poderiam facilmente crescer e engordar apenas com erva, se os deixassem. Quem nos lê ou segue poderá questionar porque insiste a OrganicA no tema do pastoreio, quando à primeira vista não é essa a nossa área de atuação. No entanto, importa lembrar que a agricultura biológica promove a integração da pecuária nas explorações agrícolas, fomentando os sistemas mistos, mais sustentáveis e que o declínio da pecuária condiciona o desenvolvimento do modo de produção biológico que tem o estrume animal na base da gestão da fertilidade dos solos. Por outro lado, o pastoreio, com a utilização de superfícies agora ao abandono, permitiriam a obtenção de carne de qualidade, devidamente certificada, colmatando um défice na oferta de produtos pecuários biológicos a preços acessíveis. Finalmente, nós conseguimos compreender, a importância do pastoreio, na criação de emprego, na produção de alimentos, na regeneração rápida dos ecossistemas e na recuperação, manutenção e limpeza de áreas agrícolas e florestais e ver esta atividade como solução para vários problemas que a Região enfrenta atualmente, como o desenvolvimento económico sustentável, a segurança da população e a preservação do ambiente, temas que obviamente preocupam-nos a todos. OrganicA – Associação de Promoção da Agricultura Biológica da Madeira
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