Artigo de José Carlos Marques publicado no Funchal Notícias, em 21 de novembro de 2016. Na sequência do artigo publicado no Funchal Noticias a 30 de outubro deste ano intitulado “Claro que é possível evitar incêndios e enxurradas” voltamos às gramíneas perenes com múltiplas vantagens na regeneração dos ecossistemas degradados, nomeadamente a sua fácil propagação, a facilidade de distribuição das sementes, a germinação sem necessidade de mobilização do solo e rápido crescimento quando submetidas a um pastoreio adequado, para explicar a necessidade da rápida aceleração dos processos de ativação da vida do solo, urgente e fundamental nas zonas degradadas, principalmente nos sistemas de montanha, nos solos desprovidos de argilas e nas regiões subtropicais e tropicais para evitar as catástrofes que têm assolado a nossa região. Fig.1 – Deslizamento ocorrido no Pico do Areeiro em 21/10/2015 (Foto: José Marques) Segundo, Renne Lewis, num artigo publicado em 2015 na revista “Nature Communications” a biodiversidade abaixo do solo é quase tão importante para um ecossistema como a vida acima dele. Neste estudo, a autora constata que o mundo subterrâneo, muitas vezes esquecido, composto por vermes, insetos, bactérias, fungos, entre tantos outros, desempenha um papel maior no apoio aos ecossistemas do que se pensava anteriormente: “Há mais microrganismos numa colher de chá cheia de terra saudável do que há pessoas no mundo!” Fig. 2 – Biomassa do solo em clima temperado, adaptado de “Soil Atlas, 2015” Apesar de Darwin, há 2 séculos atrás, reconhecer e mencionar que as comunidades que vivem no subsolo podiam ser diversas e importantes, isso não foi suficiente para um aprofundamento do conhecimento nos séculos seguintes. Num estudo recente, liderado pela Universidade de Pequim e pelo Centro de Macroecologia, Evolução e Clima da Universidade de Copenhaga, é mencionado que “enquanto a consciência da imensa biodiversidade abaixo do solo está a aumentar, estamos apenas a iniciar a compreensão da influência dessa biodiversidade nas funções do ecossistema”. As funções dos ecossistemas incluem, por exemplo, o sequestro de carbono e biomassa, a agregação e coesão das partículas existentes, a retenção e purificação da água, a importância na qualidade e quantidade de habitats ou abrigos, a criação de solo, a regulação de clima e também a de disponibilizar ou reter os vários nutrientes. Novas pesquisas descobriram que cerca de 32% da variação nas funções do ecossistema devem-se à biodiversidade no solo, em comparação à biodiversidade das plantas, que corresponde a 42%. Nestas pesquisas, os investigadores recolheram amostras em 60 locais no planalto tibetano na China, escolhidos pela sua extensa variação climática, e descobriram que combinando a biodiversidade acima e abaixo do solo, o poder preditivo da biodiversidade na multifuncionalidade ecológica aumentou ou seja aumentou a capacidade do ecossistema realizar múltiplas funções ou serviços em simultâneo. Estas e outras descobertas têm despertado uma nova perceção científica sobre as causas da erosão dos solo. Hoje, é assumido que os solos tropicais e subtropicais têm de ser protegidos contra o impacto da chuva, da luz solar direta e do sobreaquecimento, e que precisam de receber suficiente matéria orgânica para nutrir os mais de 20 milhões de microrganismos por cm3 de solo que abrigam, enquanto, nos climas temperados estes seres não devem ultrapassar 1,5 a 2 milhões/cm3 de solo, fazendo com que neste último tipo de clima, os solos apresentem uma velocidade de decomposição da Matéria Orgânica de 5 a 10 vezes inferior aos de clima tropical e subtropical, que por seu lado com toda a sua vida e agregação permitem um excelente e rápido desenvolvimento das raízes. É o cenário encontrado e mantido nos ecossistemas da Laurissilva ao longo de milhares de anos. Uma das funções menos conhecida e mais relevante da vida existente no solo é a sua influência na agregação dos materiais e elementos nele contidos. O papel do material orgânico e dos processos biológicos na organização hierárquica dos agregados do solo foi, primeiramente, apresentado por Tisdall & Oades e posteriormente desenvolvido por Oades 1993 e Geodrema e Tisdall em 1994. Estes autores referem que os processos físico-químicos tendem a ser mais importantes nos agregados de menor tamanho, enquanto os processos biológicos nos maiores. Em solos arenosos e/ou com pouco conteúdo de argila, como a maior parte dos solos da Madeira, a agregação é dependente, principalmente, dos processos biológicos, que acontecem nos solos vivos. Fatores que afetam a formação e estabilidade dos agregados
Um dos processos biológicos de agregação é produzido pelas micorrizas, uma associação de fungos às raízes das plantas, que são particularmente eficientes em proporcionar este tipo de estabilidade aos agregados maiores, pois segregam uma glicoproteína denominada glomalina, que é um agente agregante de excelência, considerado por muitos, o equivalente ao cimento na construção civil. Cerca de 90% das plantas terrestres estabelecem ligações com fungos e esta relação simbiótica permite às plantas receberem hidratos de carbono, fósforo e nitrogénio dos fungos, para além de melhorarem a sua capacidade de extração de água do solo, o que promove o seu desenvolvimento. Fig. 4 – Torrão de solo, depois de regenerado, com agregação de cariz biológica. Funchal 2015. (Foto: Sílvia Silva) O carbono orgânico é um dos indicadores mais consistentes da concentração de glomalina nos solos. Correlações positivas entre as frações de glomalina e o teor de carbono orgânico têm sido registados em solos naturais e cultivados (BIRD et al., 2002), o que faz da glomalina uma das razões científicas para o termo popular “a grossura ou gordura da terra”.
Enquanto a função das micorrizas na produção de glomalina e na agregação do solo é uma descoberta relativamente recente, a função das minhocas na coesão dos solos é já, há muito conhecida. Charles Darwin em 1881 refere o seguinte: “Duvida-se que possam existir muitos outros animais que tenham desempenhado um papel tão importante na história do mundo, como essas criaturas humildes organizadas”. A formação de agregados pela fauna do solo ocorre principalmente pelo fenómeno conhecido como biotrituração, sendo mais evidente em solos com baixos teores de argila. Nos seus cálculos, Darwin mostra que o trabalho das minhocas poderá acrescentar uma camada de solo, de 2 a 3 centímetros de espessura, num período de dez anos. As minhocas, e toda a macrofauna do solo, são consideradas, por muitos autores, os verdadeiros “engenheiros dos ecossistemas” pela sua capacidade de afetarem profundamente a estrutura do solo e proporcionar condições ideais para o desenvolvimento de plantas superiores e as minhocas em particular, são autênticas trituradoras de material vegetal. Segundo Hendrix e Bohlen (2002) as minhocas são os organismos mais conhecidos e, muitas vezes, os que mais influenciam o funcionamento do sistema solo.
Num estudo, publicado em 2015 na revista Nature Communications, que ajuda a compreender melhor a dinâmica dos solos, é referido um número difícil de assimilar, mas anualmente existem 35.000 milhões de toneladas de folhas de árvores que são recicladas nos solos da terra. Para visualizar, imagine-se uma massa de folhas, equivalente a quase 10 milhões de Boeings 747 a cair placidamente de todas as árvores do mundo: é muita matéria-prima disponível na natureza. Felizmente, as minhocas têm um papel importante em mastigar, digerir e levar parte deste material para o interior do solo, redistribuindo os nutrientes. As folhas que consomem são humedecidas, rasgadas em pequenos pedaços, parcialmente digeridas e misturadas com a terra e é este processo que dá ao bolor vegetal a sua tonalidade escura. Apesar das folhas possuírem moléculas complexas, os polifenóis, que as tornam difíceis de digerir para os herbívoros, as minhocas encontraram uma forma de bloquear estes compostos com a produção, no trato digestivo, de substâncias chamadas “drilodefensinas”, que anulam a ação dos polifenois, permitindo a digestão das proteínas das folhas. Darwin (1890) relatou que estes seres grandiosos podem transportar e incorporar em apenas 6 meses, no subsolo cerca de 10 kg/m2 de matéria orgânica contida nas folhas e noutros resíduos. Stockli, (1949) calculou uma quantidade total média de 80 000 kg de excrementos de minhoca por hectare por ano, variando com o tipo de solo e de mobilização a que é sujeito.
Aquando da aplicação destas teorias, de ativação da vida do solo, numa exploração de bananeiras, perguntei a um amigo agricultor o que tinha acontecido à cobertura de solo feita com palha de cana-de-açúcar e aplicada há apenas 2 meses e meio, ao que me respondeu: a terra comeu. De facto, não podia existir uma resposta mais assertiva. Surpreendido pelo velocidade de degradação resolvi avaliar a biomassa do solo para perceber o fenómeno e foi possível contabilizar, num quadrado de 25×25 cm com 30 cm de profundidade 673 minhocas na camada superficial dos 0 aos 10 cm, 175 minhocas na camada dos 10 aos 20 cm e 106 minhocas na camada dos 20 aos 30 cm. Em solos tropicais e subtropicais e de acordo com Lee (1985) os coprólitos (excrementos de minhocas) podem representar 50% dos macro-agregados nos horizontes superficiais e segundo Lafont et al. (2007) a construção de galerias e a produção de coprólitos, resultado da ingestão de resíduos orgânicos e minerais, estão entre as atividades das minhocas que causam maiores alterações nas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. Por seu lado Barois et al. (1999) ressalta que, quando secas, além de concentrarem carbono e nutrientes, estas estruturas orgânicas conferem ao solo maior resistência ao processo erosivo devido à sua elevada estabilidade. Elaine Ingham (2015), uma microbiologista da Universidade do Colorado escreve: “Prados, árvores, jardins ou culturas, a história é sempre a mesma. A biologia do solo está a ser destruída pela ingerência humana. As raízes não conseguem ir tão profundo como deveriam. A água, a fertilidade e a limitação natural das doenças perde-se”. Solos vivos são essenciais na mitigação e na adaptação às mudanças climáticas, desempenham um papel fundamental no ciclo do carbono e na gestão da água, melhoram a capacidade de resistência a inundações e secas pelo que precisamos de compreender a sua complexidade e perceber que a biodiversidade subterrânea é a chave para alterarmos o paradigma. Em 2015 a ativista e laureada com o prémio Nobel alternativo Vandana Shiva refere que “a incapacidade de compreender a biodiversidade e as suas muitas funções está na raiz do empobrecimento da natureza e da cultura” e é por tudo isto e sobretudo pela necessidade de tudo fazermos para criar solos vivos e resilientes que precisamos entender a importância do pastoreio holístico, tema que abordaremos no próximo artigo.
1 Comentário
Paulo Gomes
6/12/2017 18:29:31
Muito bom texto, é uma senhora aula sobre a importância da diversidade biológica do subsolo. É possível, A partir desse nível de informações, fazer com que se desperte para a necessidade de conservação do solo e subsolo e sua importância enquanto base estrutural, em alguns casos, dos ecossistemas terrestres . É necessário refletir e combater o uso excessivo de agrotóxicos na agricultura de modelo monocultural e altamente agressivo .
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